ATA DA QUADRAGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 19-11-1991.

 

Aos dezenove dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Quadragésima Terceira Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a homenagear o Dia da Consciência Negra, conforme Requerimento nº 127/91, do Vereador Adroaldo Correa. Às dezessete horas e dezenove minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Airto Ferronato, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Jornalista Benigno Rocha, representando a Associação Riograndense de Imprensa; Senhor Anélio José da Cruz, representando o Forum Estadual de Entidades Negras do Rio Grande do Sul; e o Vereador Adroaldo Correa, Secretário “ad hoc”. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Adroaldo Correa, em nome das Bancadas do PT, PDS, PMDB, PTB, PCB e PL, disse que essa data deve ser comemorada em nome da luta pela liberdade, ressaltando a importância da raça negra para o desenvolvimento do País. Teceu comentários sobre a cultura dos negros em nossa Cidade. O Vereador Artur Zanella, em nome da Bancada do PFL, discorreu sobre a colonização americana, afirmando serem os negros discriminados. Propugnou por mais realismo dentro da história dessa raça a fim de ser conhecido nas escolas seu trabalho e cultura. Após, o Senhor Presidente registrou o recebimento de correspondências do Senhor Governador do Estado e do Secretário Extraordinário para Assuntos de Comunicação Social, passando-as às mãos do Senhor Anélio José da Cruz. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Senhor Anélio José da Cruz, representante do Forum Estadual de Entidades Negras do Rio Grande do Sul, que protestou pela ausência de representante do Governo do Estado neste evento e, ainda, pela falta da divulgação da solenidade. Teceu comentários sobre o problema do negro no Brasil, ressaltando o descaso do branco. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para assistirem a apresentação de um grupo que salientou o trabalho do negro na época da mineração, apresentando números musicais africanos. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou a presença da Senhora Letícia Chalac, representando a Secretaria Municipal de Educação. Às dezoito horas e vinte e cinco minutos, nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Extraordinária de amanhã, às nove horas e trinta minutos. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Airto Ferronato e secretariados pelo Vereador Adroaldo Correa, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Adroaldo Correa, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 


O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Damos por abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear o Dia da Consciência Negra, dia 19. Fazem parte da Mesa, além deste Vereador, o Vice-Presidente da Câmara de Vereadores; o Exmo Sr. Jornalista Benigno Rocha, representando a ARI; Exmo Sr. Anélio José da Cruz, representando o Fórum Estadual de Entidades Negras do RS.

Inicialmente, queremos informar que a Mesa recebeu telegramas de congratulações pela iniciativa e da impossibilidade do Exmo Sr. Governador do Estado, Dr. Alceu Collares, e do Sr. Carlos Bastos, Secretário Extraordinário de Assuntos de Comunicação Social. A presente Sessão Solene é de iniciativa do Vereador Adroaldo Corrêa e foi aprovada por unanimidade nesta Casa. Queremos dizer que a data de 19 de novembro, mais do que uma evocação, deve ser uma conclamação aos direitos e à liberdade, deve ser um dia de protesto contra todas as formas de escravidão.

Passamos a palavra ao Ver. Adroaldo Corrêa, que falará em nome da sua Bancada, o PT, e pelas Bancadas do PDS, PMDB, PCB, PTB e PL.

 

O SR. ADROALDO CORRÊA: Sr. Presidente dos trabalhos, Ver. Airto Ferronato; Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Sr. Benigno Rocha, representando a ARI; Sr. Anélio José da Cruz, representando o Fórum Estadual de Entidades Negras do RS; Senhoras e Senhores presentes a este ato que se faz nesta Câmara de Vereadores, no dia 19, em referência à parte das atividades da Semana da Consciência Negra em Porto Alegre e em torno da data de 20 de novembro, tão caro aos que lutam contra o racismo e buscam a constituição dos direitos de cidadania para aqueles que formaram o principal conjunto da construção da riqueza do nosso País através do trabalho. Os negros que da África foram trazidos, enquanto seres livres que eram, escravos se tornaram pela força do imperialismo da época e que pelo amor à liberdade constituíram, neste País, a consciência de que o mais caro bem do homem é a sua dignidade de ser livre, no Dia Nacional da Consciência Negra, resgatando lutas históricas desses trabalhadores, porque a história do Brasil é a história, principalmente, dos trabalhadores brasileiros, é essa que queremos reconhecer; busca, também, trazer ao mundo das idéias, ao mundo da história formal, ao mundo jurídico e legislativo, uma consciência que é trazida oralmente, que é trazida por grupos, que é trazida e constituída por relatos parciais, que não formam o todo na nação brasileira, que é a história de que o trabalho no Brasil não começa em 1917, com a greve dos trabalhadores tecelões em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Mas que começa muito antes, e que também dá o tom do tipo de consciência que queremos ter no ano de 1992, onde se completará nas Américas a data que será comemorada como os 500 anos da descoberta que nós já antecipamos. E para o trabalho e os verdadeiros trabalhadores e construtores da riqueza deste País, mal dividida. São os 500 anos de resistência.

É isto que 1992 nos reservará: uma consciência maior dos que aqui já estiveram antes dos descobridores que também tentaram a ferro e fogo os que foram chamados de índios, mas que eram caiçaras, guaranis, caingangues, tupis. E os que para cá foram trazidos do continente africano, o continente berço da humanidade, o continente de homens livres, o continente de homens produtores de cultura, seculares, foram trazidos a ferro e fogo para fazer a riqueza da minoria que pode-se dizer que, em continuidade e por herança, vem usurpando o poder dos trabalhadores neste País, há 500 anos.

O Dia Nacional da Consciência Negra tem todo um conjunto de conceitos que é preciso resgatar. No jargão jurídico, tem como certo que o que não está nos Autos, que é o que forma o Processo, as diversas páginas de cada um dos que se envolvem no Processo, que o que ali não está, não está no mundo. E foi justamente esse objetivo do gesto de quem mandou queimar os arquivos da história da escravidão do Brasil, porque a história da escravidão trazia também a história da luta pela liberdade. Já disse em outras oportunidades e gostaria de repetir agora que nós devemos buscar retirar essa mancha branca sobre a história do Brasil, porque foi isso que aconteceu com a queima dos arquivos, seja da fazenda, seja do comércio, seja das docas, o que Rui Barbosa pretendeu foi esconder da maioria dos brasileiros a sua verdadeira história, supondo que aquela era uma mancha negra. Mas o Brasil é, de Norte a Sul, uma maioria negra, trabalhadores empobrecidos que com uma penada se pretendeu redimir 400 anos, na época, de culpa dos brancos escravistas. Não apenas porque branco, porque nada temos contra os brancos. Dos escravistas, dos colonialistas, que quiseram muito mais se libertar com aquele gesto, de alimentar o trabalhador, de dar vestimentas ao trabalhador, de dar moradias ao trabalhador que tinha feito a colônia enriquecer, seja pela agricultura, seja pela mineração, seja pelo trabalho no cais, na senzala ou na cozinha, que fizera a minoria enriquecer. E destes, os brancos escravistas se libertaram com a penada. Foi a libertação dos escravos? Não. Foi a libertação dos Senhores de um ônus que constituía no regime colonial a sustentação das famílias escravas. Famílias escravizadas de povos livres, é preciso marcar isso, porque é um aprendizado que temos que consolidar, que referenciar nos livros didáticos, que referenciar nos nossos gestos; que referenciar na nossa trajetória de lutas, permanentemente, porque isso tem que constar da história do Brasil.

Com Abdias Nascimento, Senador do PDT, nós aprendemos que não é escravo. A história é de seres humanos escravizados; seres humanos livres de um continente berço da humanidade, como disse, e, principalmente dos primeiros a constituírem parâmetros de civilização; de arte-cultura, sim, mas de civilização. Não há, hoje, ainda, na matemática, quem explique como se constituiu o processo de construção das pirâmides, mas, hoje, ainda acredita-se porque se viu na televisão, se viu no cinema, se viu em uma série de outros momentos e talvez até mesmo nos livros de história, por quê não? Que não tem a figura do negro, a não ser explorada, que quem constituiu o rico e milenar império egípcio era branco. Em pleno continente africano, às margens de um deserto de sol causticante, onde está a possibilidade de ali existir uma civilização de brancos? Cleópatra era negra! Mas o filme a mostrou, pela cultura dominante do norte-americano, que aqui impõe as suas referências para que o Brasil se pense de olhos azuis e de pele clara, mesmo não o sendo, se pense branco, e naquele filme Cleópatra tinha olhos azuis da atriz Elisabeth Taylor. E isso esconde do negro e dos demais, em nosso País, a realidade de um continente que produziu história, cultura e referências fundamentais para a humanidade. Todos sabemos que foram os árabes que produziram os primeiros elementos do pensamento lógico aplicado da matemática, e o árabe é negro, mas essa história não é contada no nosso livro diário, nem nos 500 anos. E se nós não nos mexermos, não ousarmos fazer a referência de que temos parte nesta história, e parte principal, e que reivindicamos nessa história, por herança, porque nós a construímos, o que nos é de direito, ninguém falará a respeito. Mas ainda estamos frágeis para essa luta toda.

Esta Câmara de Vereadores provou que tem um sentimento democrático, de respeito às diferenças, e aprovou, no primeiro semestre, a inclusão destes conteúdos no ensino público municipal, para resgatar a história e o presente da contribuição do negro no Brasil, seja na sua própria história de formação socioeconômica, como cultural, religiosa, e suas contribuições para a língua.

O Governo Municipal fará uma ação específica, que abre dia 9 de dezembro na Usina do Gasômetro, espaço de trabalho com professores apenas, para a formulação de conteúdos com vistas ao ensino desses que são momentos específicos da contribuição do homem e da mulher negra no Brasil e na República e também no Império Colonial.

E não parou aí a ação da Câmara de Vereadores, que ontem mesmo aprovou, por unanimidade, que o Município de Porto Alegre tenha uma Semana da Consciência Negra, promovida em comum acordo com as entidades do movimento. Diz o Projeto de Lei aprovado ontem que até 15 de outubro de cada ano se organizam as entidades em seminário, com a Prefeitura, através da SMED, da Secretaria da Cultura, com o apoio da Fundação de Educacional Social e Comunitária (FESC), para um seminário que projeta a Semana da Consciência Negra, em torno de 20 de novembro de cada ano, e há dotação orçamentária específica. Alias, nesse projeto aprovado – e agora temos a presença do Ver. Artur Zanella, o que nos honra – nós aprovamos a idéia de igual teor do Ver. Artur Zanella, que coloca esta mesma possibilidade para os povos ibero-americanos, e hoje, ibero-italianos que buscamos referenciar no projeto, que está modificando para portugueses, espanhóis e italianos, que foram importantes correntes da construção da riqueza do País. Achamos, encaminhando a conclusão deste pronunciamento, que, e aproveitando para concluir o pensamento, ainda estamos frágeis nesta questão, é que não podemos nos ocupar do conjunto da riqueza que tem despertado esta luta na cidade de Porto Alegre. Ontem, tivemos o projeto que prepara, para o ano que vem, uma ação organizada que busca chamar o conjunto daqueles que têm responsabilidades com essas lutas, e no domingo, na abertura da Semana da Consciência Negra em Porto Alegre, tivemos uma expressão da dimensão e potencial dessa luta, tivemos lá uma série de pessoas que estão aqui, Ver. Zanella, Prof. Oliveira Silveira estiveram lá, e havia, durante as 12 horas que promovemos, e digo nós, porque estávamos em conjunto, e todos os que estão aqui ajudaram, em torno de cinco mil pessoas, menos um pouco no início, menos um pouco no meio da tarde, mas, com certeza, em torno das 22 horas, depois de uma série de manifestações culturais importantes, não só da comunidade negra do Morro Maria da Conceição, que fazia a organização do evento, mas da Vila Restinga, hoje Bairro, da União da Vila do IAPI, escolas de samba das duas vilas, tivemos referenciais importantes da produção cultural, intelectual da referência histórica dos negros na nossa Cidade. Temos um potencial riquíssimo, devemo-nos conscientizar das possibilidades desse potencial, da unidade necessária para que esse potencial seja explorado, seja consolidado, ampliado e tenha como marca fundamental, no nosso ponto de vista – e aqui expresso o ponto de vista particular que defendo dentro do meu Partido – embora esteja falando também pelo meu Partido. Referencio, neste momento, e me dão a honra de expressar este pensamento o PDS, o PMDB, o PCB, o PTB e o PL, e transmito nessas palavras a honra que sinto de fazer o pronunciamento por essas Bancadas, mas, pessoalmente, defendo que esta é uma luta de todos os que são contra o racismo, porque são a favor da liberdade, independente da cor da pele, da origem que lhes deu a constituição humana. É no respeito à diferença e no resgate dos valores históricos pela consciência que se terá a história concreta constituída, não só nos livros, mas na cabeça de cada um dos brasileiros para que o Brasil, que foi o último povo do mundo a ter escravos negros, no processo colonialista, não tenha isso no futuro enquanto uma mancha branca que cobre a história do trabalho em nosso País. A luta anti-racista, a luta pela libertação do trabalho é que vai constituir a verdadeira democracia do nosso Brasil, e por isso lutamos. Muito obrigado. Viva a consciência negra, viva Zumbi dos Palmares, exemplo das lutas que devemos travar pela liberdade e pela fraternidade! Muito aché! (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Artur Zanella, pelo PFL.

 

O SR. ARTUR ZANELLA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores; Jornalista Benigno Rocha, que representa a ARI; Dr. Anélio José da Cruz que representa o Fórum Estadual de Entidades Negras do RS; Senhoras e Senhores.

Em primeiro lugar, peço escusas pelo atraso da chegada aqui. É que esta Casa está virando uma parafernália de reuniões, Comissões. Sempre em final de ano termina causando uma dispersão no trabalho dos Vereadores e funcionários. Peço escusas, especialmente ao Ver. Adroaldo Corrêa.

Mas quero e faço questão, todos os anos, de me pronunciar nesta data, estejam aqui muitas pessoas, poucas pessoas, muitos Vereadores, poucos Vereadores, porque cada ano a gente aprende mais. Cada ano nós temos novas experiências, novos conhecimentos. E cada ano me convenço que temos que discutir mais este assunto. Digo isto porque fui criado no interior, na fronteira, numa família de descendência italiana, espanhola, portuguesa, como poucos lá eram descendentes de italiano. Me lembro o que aprendíamos sobre história.

Não tenho o menor constrangimento de dizer que torcíamos pelos bandeirantes, Domingos Jorge Velho e todo eles que destruíram Palmares, como torcia contra Canudos, contra os Muckers, porque era aquilo que aprendíamos na escola. Os negros fugidos causando prejuízo aos plantadores, aos agricultores que causavam uma confusão lá, e que o governo teve que mandar tropas para resolver este tipo de situação. Era isto o que aprendi. Como aprendi, também, o Ver. Adroaldo Corrêa coloca esta questão que os espanhóis, portugueses, vieram ao Brasil e aqui tentaram na América, os ingleses na América do Norte, os espanhóis no resto da América Latina, os portugueses no Brasil tentaram civilizar aqueles índios que estavam lá atrapalhando a civilização. E nos filmes o que se via era isso, sempre os apaches, os índios, os bandidos tentando destruir a colonização do Oeste. Eu acho que esses assuntos têm que ser discutidos, porque nós temos que resgatar isso aí. Eu me lembro, quando jovem, que a única referência que se tinha e se aprendia um pouco mais é que existiam nas hostes dos farrapos um esquadrão de lanceiros negros que, lutando por sua própria liberdade, se destacaram na Guerra dos Farrapos, e que havia alguns escravos aí, nas Charqueadas, em Pelotas, mas que na verdade mais era para o norte, porque nós aqui não tivemos uma influência negra muito grande. E com o tempo a gente vai aprendendo, vai alterando os conceitos e a gente vê que a coisa, evidentemente, é infantil, não tem a menor sustentação histórica. E mais se aprofunda nessas coisas, a gente vê o barbarismo que foi a colonização americana. O Vereador Airto Ferronato e eu estivemos fazendo um curso há poucos dias em Caracas, na Venezuela, em que na história da libertação dos espanhóis naquela época, na história da guerra de libertação, Simon Bolívar, os espanhóis pagavam pela morte de inimigos presos, e chegou o momento em que, não acreditando muito naquelas estatísticas que chegavam, exigiam eles que se mandasse lá para a sede as orelhas dos que morriam, porque eram tantos que morriam que não tinham como chegar lá. E mostram os documentos históricos que, em determinado momento, havia até um mercado negro de orelhas, para que as pessoas recebessem, muitos nem eram mortos, eram cortadas as orelhas para receber. Então nós usamos o termo “mercado negro”, uma “mancha negra”, o “dólar no black”, “nuvens negras” no futuro. E tudo isso que aprendi, como se aprende, como se aprende que judiaria é uma coisa má, feita por judeus. Isso tudo que nós aprendemos.

Estive, Ver. Ferronato não esteve, em dois países; um país e uma possessão de maioria negra absoluta, praticamente, foram Aruba e Curaçau. Aruba, antiga possessão holandesa, hoje em processo de libertação definitiva. Como Beg, Aruba, Chips e toda uma estrutura formada e, quando estivemos lá no parlamento, tinha um deputado, representante branco, que propôs, na conversa que tivemos, protestava ele contra a discriminação dos negros contra os brancos. São 65 mil habitantes, e eu comparava, assim, cerca da metade da Restinga. Aruba, conhecida, em todo o mundo, é cerca da metade da Restinga, e perguntava a ele se não havia, como havia aqui no Brasil, se não havia uma discriminação dos negros contra os brancos, se a situação não era a mesma. Não, a situação é exatamente a mesma, só que ao contrário, e coloquei para ele algumas dessas situações. Estive em Curaçau, que era chamada a “ilha inútil”, por quê? Diziam as pessoas antigas que lá estavam, não tinha água, não tinha nenhuma produção agrícola, não nasce nada lá, a única coisa que nasce são laranjas valentes, ainda por cima amargas, e que era um entreposto de escravos soltos e largados lá sem água, sem comida, sem nada, uma civilização fantástica, uma dedicação total ao ensino e também uma curiosidade muito grande a respeito dessa situação no Brasil, de relacionamento entre brancos, negros, índios, mestiços, etc., Curaçau tem cerca de 160 mil habitantes, cerca de uma Restinga e meia, aproximadamente.

Então, no dia de hoje queria colocar essas reflexões que sempre faço para enfatizar que essa situação só se resolve com luta e, principalmente, com educação, principalmente com a desmistificação da História, que sempre foi escrita pelos vitoriosos, pelos dominadores. Desde criança, desde jovem, principalmente onde nasci e me criei, na fronteira, sempre convivi com a discriminação, que começa desde criança, desde menino, contra as mulheres, contra os negros, contra os pobres, vamos ser bem claros.

É isso o que eu queria enfatizar no dia de hoje, não para as pessoas que vieram aqui, e que sabem bem melhor do que eu de tudo isso. Mas para que esta Casa se engaje cada vez mais, e tenho certeza que tem feito, mesmo que de forma desordenada, mas com o tempo isso vai melhorar, para que nós tenhamos uma educação para todos, que tenhamos condições de vida para todos, para que as nossas vilas populares tenham,  efetivamente, a intenção governamental em beneficiá-las. E digo isso com toda a tranqüilidade, porque, quando exerci os meus cargos no Município, eu sempre procurei fazer com que a quantidade maior de recursos possíveis fossem para lá, com todas as incompreensões que isso trazia. A primeira coisa que sempre diziam é que isso não adianta, porque tem gente demais, e que isso não dá voto. Isso, tranqüilamente, era o que se dizia a todo o momento a respeito desse tipo de coisas. Então temos que partir, acho, para uma educação, para medidas práticas de desenvolvimento das pessoas, sejam elas de que raça forem, e evitar a segregação que ainda hoje existe em termos urbanísticos, em que o pobre tem que ficar o mais longe possível, e que a solução é dar ônibus e transporte mais baratos para que a cidade, o plano piloto de Brasília, o centro das cidades, não sejam atrapalhados por camelôs, ambulantes, como sempre se colocam nas cidades brasileiras, como se maioria da população não fosse aquela que luta pela vida, ou ambulantes, ou camelôs, o funcionário público, os empregados, que são como que camelôs administrativos, ambulantes administrativos, tendo em vista seus problemas.

Era isso que queria dizer no dia de hoje, falando um pouco demais, trazendo o meu testemunho, e ontem, naquela reunião do Morro da Conceição, via as pessoas tentando se expressar, procurando um caminho, uma oportunidade de voz, e os comentários, quando saí de lá, mostrando que tem essa preleção contra esse tipo de movimento de conscientização, era isso que queria dizer, de todo o coração, no dia de hoje, nesta reunião que tem pouca gente, muita gente, não sei, mas tenho certeza que tem gente interessada em acabar com esta situação que transforma cidadãos, que rotula cidadãos, como primeira, segunda e terceira classe. Queria que os Senhores soubessem que esta Câmara de Vereadores, por sua ampla maioria, está engajada neste processo, e que os Senhores líderes deste Movimento de Consciência Negra tenham de nós todo o apoio, carinho e consideração. Obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A palavra com o Sr. Anélio José da Cruz, que representa o Fórum Estadual de Entidades Negras do Rio Grande do Sul.

 

O SR. ANÉLIO JOSÉ DA CRUZ: S. Exª Ver. Airto Ferronato, no exercício da Presidência. Mais uma vez sou distinguido pela comunidade negra para falar em seu nome, compromisso que assumo com inteira responsabilidade pelas posições que, até o presente momento, tenho assumido junto à comunidade negra. Em primeiro lugar, gostaria, se não ferir o Regimento Interno, que esta Casa deixasse registrado nos Anais o não-comparecimento, não do Governador do Estado, mas sim, de pelo menos, um seu representante, já que ele se arroga como negro, e os negros da vida dele eu os conheço muito bem, chamam-se Getúlio Vargas, Arlindo Pasqualini, Jango Goulart, Leonel Brizola, Rui Ramos e tantos outros. Com os negros eu nunca o vi, vi eleitoralmente e politicamente, apenas. Se não fere o Regimento Interno, que chegue ao conhecimento de S. Exª, o Governador do Estado, com relação a esta data magna nossa, ocasião em que nós, do Fórum de Debates da Consciência Negra, registramos o descaso de S. Exª em não comparecer nem mandar um representante para nos dar a satisfação pelo seu não-comparecimento.

Por outro lado Sr. Presidente, que fique mais uma vez registrado nesta Casa, não é a primeira vez que assim me coloco, por ocasião de outros atos de natureza cultural, religiosa, política e social, a imprensa está tomada, nesta Casa, os meios de comunicação de massa, escritos, falados e televisionados estão aqui. Outras comunidades que aqui comparecem, para comemorar os seus atos, os meios de comunicação estão em peso aqui. Perdoe-me, Sr. Presidente, mas esta Casa tem um pouco de responsabilidade, porque a indução de não trazer as pessoas também é de responsabilidade de quem trabalha nesta Casa, e nós conhecemos muito bem esse tipo de colocação que é feito contra a nossa etnia, ela é pobre e poderia até dizer que não tenho jeito de ir aos meios de comunicação de massa e trazer centenas ou até milhares de pessoas para cá e, com isso, dar um outro colorido para nossa festividade, o nosso evento.

Então, se não fere o Regimento Interno, gostaria que ficasse registrado nos Anais desta Casa o desprezo que o grupo minoritário dominante, o grupo branco minoritário dominante joga contra nós, não dando guarida às nossas pretensões de libertação social, política e econômica.

Também já se tornou lugar-comum a gente assistir o Dia da Consciência Negra e ninguém vir trazer corbeilles de flores para cá, ninguém traz. Ninguém traz corbeilles de flores, ninguém dá divulgação, é um descaso total. Então, este descaso, este protesto tem que ficar lavrado, se não fere o Regimento Interno.

Quero dar conhecimento à Casa que na semana passada reuniu-se em São Paulo o I Encontro das Entidades Negras a nível nacional, ocasião que o Jornalista Paulo Ricardo de Moraes lá estava e teceu para mim, rapidamente, considerações sobre o que houve lá. Mas foi um encontro de toda a negritude a nível nacional. Mil e tantas pessoas estavam lá, discutindo a nossa problemática. Porque não sou hipócrita, não sou fingido e não sou mentiroso, o branco jamais vai dar solução para os nossos problemas, quem reclama isto está equivocado. Nunca. Ele não tem obrigação nenhuma de nos dar condições, de dar libertação social, política, econômica, religiosa e cultural, historicamente ele não tem e jamais terá.

Se quisermo-nos libertar é um problema nosso, porque conheço outras etnias que se libertaram há séculos e que vivem fechadas como caranguejos e caramujos. São ricas, prósperas e felizes. Não vou citar os nomes destas etnias, porque todos os Senhores sabem. Mas vivem fechadas entre si.

E nós somos esquecidos historicamente. E eles não têm compromisso nenhum conosco, nos desprezam, nos olvidam, nos dão emprego de terceira, quarta, quinta classe. Quando muito nos deixam engraxar sapatos nas vias públicas, ou até mesmo assaltar correntinhas do pescoço de mulheres ricas. Isto tem que ficar registrado. Já vou ser repetitivo, não sou hipócrita, é duro me suportar, não fui escolhido de amor em graça para tecer considerações a respeito do Fórum de debate da comunidade negra. Chega de hipocrisia, se querem que o negro se liberte, abram suas mãos e se proponham a nos dar o que nunca tivemos neste País, que é terra, que é gado, que é campo, que é a inserção nos Anais da história do negro uma historiografia oficial do povo branco brasileiro. Eles negam a nossa existência no País que nós construímos, por quê? Porque eles julgam que nós não existimos enquanto pessoa humana.

Eu pedi no Fórum, e foi aprovado, que fosse levado para o INEM o “não” à pena de morte, porque ela já existe de fato, e não de direito. A Brigada mata, a Polícia Civil mata, então a pena de morte já existe. Não adianta o coronel Pedro Américo Leal ter espaço nas rádios defendendo a pena de morte, não adianta um outro deputado lá de São Paulo defender a pena de morte, porque ela existe de fato, só não existe de direito na Constituição. Isso tem que acabar, nós não somos bois de cobaias para agarrar e receber essas afrontas da minoria dominante branca. Não adianta o Deputado Federal de São Paulo defender pena de morte e ter acesso aos meios de comunicações. Não adianta o Coronel Pedro Américo Leal defender pena de morte e ter acesso aos meios de comunicação. Eu proponho que, quem defende a pena de morte, venha defender, venha debater conosco, negros. Porque a pena de morte será imposta para os negros e para os brancos pobres que não têm direito a se defender, isso é que vai acontecer. Não à pena de morte, sim à inserção da história do negro a nível de 1º, 2º e 3º graus na história cultural, política e social e econômica do País

É isso que tem que ter, que tem que estar na mesa de negociação. O INEM até se propôs, o Fórum até discutiu esse tema, os delegados do Rio Grande do Sul levaram a discussão para São Paulo, foi discutido. E nós haveremos de, passo a passo, desmistificar a falsidade do grupo branco minoritário dominante, que no engodo e por intermédio dos meios de comunicação de massa vem mistificando toda uma história e conversando fiado através dos tempos. Nós não aceitamos mais isso! Hoje em dia, se querem que o povo negro brasileiro tenha condições melhores de vida, abram o leque de discussões, nós nos propomos, não temos nada, absolutamente nada, não temos faculdade, não temos universidade, não temos hospitais, não temos estradas, não nada, então o que somos apenas? Ferramenta de trabalho de uma sociedade branca, minoritária, dominante. Isso tem que ficar bem claro! Não adianta festejar 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, se nós não temos nada, absolutamente nada! Quando nós instituímos o 20 de novembro, nós estávamos em cima do Mercado Público. Trouxemos para cá a proposta. Foi aceita por esta Casa, Sr. Presidente, foi aceita e as negociações foram se ferindo. Esta Casa, ela foi maravilhosa. Ela nos abriu espaço para discutir o problema. Hoje, novamente, há questão de cinco, seis anos, nós estamos, na presença de Vereadores, aqui, dando assim, usando uma expressão que não é muito usada na Casa, dando a nossa bronca, mas tem que terminar com essa história. Eu gostaria que esta Casa também se pronunciasse de uma maneira mais candente, fazendo com que, no Dia da Consciência Negra, esta Casa tivesse, pelo menos, o mesmo colorido de outras etnias que aqui têm as suas comemorações. Eram as minhas considerações. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. ADROALDO CORRÊA: Sr. Presidente, eu queria esclarecer que a organização da Sessão Solene pede que divulguemos duas questões: flores são colocadas à mesa com a presença de Senhoras ou Senhoritas, até podemos mudá-las. A imprensa que está cobrindo, é sim, a imprensa da Câmara de Vereadores, que nós tenhamos conhecimento, os demais foram avisados, foram notificados. Obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

(Apresentação de um grupo.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença da Srª Letícia Chalac, representando a SMED.

Agradecemos a presença de todos e encerramos os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h25min.)

 

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